segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Oriente Médio



Outubro sangrento coloca em xeque guerras dos Estados Unidos


Tropa americana patrulha vila no Afeganistão em 19 de outubro de 2009
O mês de outubro de 2009 foi o mais violento no Iraque e no Afeganistão, palcos da "guerra contra o terror" promovida pelos Estados Unidos há quase dez anos. As mortes de iraquianos e americanos desestabilizam tanto os processos de transição política quanto a estratégia da Casa Branca de realocar recursos de uma guerra para outra. Direto ao ponto: Ficha-resumo)

O caso mais grave aconteceu na capital do Iraque. Um duplo atentado terrorista matou 155 pessoas, incluindo 24 crianças, e deixou centenas de feridos na explosão de carros-bomba em prédios do governo em Bagdá. Foi o pior ataque em dois anos.

As explosões, ocorridas no último domingo (25 de outubro), teriam como objetivo emperrar discussões sobre a reforma eleitoral, que vai regular as eleições marcadas para janeiro. Os atentados também aumentaram a tensão com os países vizinhos, principalmente a Síria, acusada pelo governo iraquiano de abrigar terroristas.

No dia seguinte, 14 americanos morreram na queda de helicópteros no Afeganistão. Na terça-feira (27), foram registradas mais oito baixas em confrontos, subindo para 55 o número de mortes no mês.

Os incidentes aconteceram a poucos dias do segundo turno das eleições presidenciais, marcado para 7 de novembro. O pleito será disputado entre o atual presidente, Hamid Karzai, e o ex-ministro de Relações Exteriores, Abdullah Abdullah. No primeiro turno, houve denúncias de fraudes.

As eleições no Iraque e no Afeganistão visam trazer estabilidade política aos países, ponto considerado fundamental para que os Estados Unidos encerrem as ocupações. Mas os ataques terroristas no Iraque e o crescimento do índice de soldados mortos no Afeganistão (num ano já considerado o mais mortífero desde o início da guerra) complicam ainda mais a situação no Oriente Médio.

A violência também afetou a estratégia do presidente Barack Obama de transferência dos recursos do Iraque para o Afeganistão. Nas próximas semanas, Obama deve decidir se aumenta o efetivo em mais de 40 mil soldados no território afegão. Porém, ele enfrenta oposição de quase metade da população americana e de setores do próprio governo, que duvidam que o reforço militar irá contribuir para trazer mais segurança ao país mulçumano.

Petróleo
Juntas, as guerras do Iraque e Afeganistão já mataram mais de 5 mil americanos e somam, segundo relatório do Congresso dos Estados Unidos, US$ 864 bilhões de gastos aos cofres públicos (74% deste total no Iraque, 22% no Afeganistão e os 4% restantes em gastos diversos). Especialistas estimam que as despesas irão ultrapassar US$ 1 trilhão, em plena época de recessão econômica.

Passados nove anos de guerra no Afeganistão e sete no Iraque, a impressão hoje é a de que os Estados Unidos subestimaram a resistência dos radicais mulçumanos e se meteram em outro atoleiro. Os dois conflitos já são mais longos que a participação dos americanos na Primeira (dois anos e dois meses) e Segunda Guerra Mundial (três anos e oito meses) e na Guerra da Coreia (três anos e um mês). E, por enquanto, somente inferior à participação na Guerra do Vietnã (doze anos).

As batalhas foram iniciadas no governo de George W. Bush (2001-2009), na sequência dos atentados de 11 de Setembro. A campanha militar no Afeganistão começou em 7 de outubro de 2001, com o objetivo de capturar Osama Bin Laden, líder da rede terrorista Al Qaeda. No caso do Iraque, a invasão em 19 de março de 2003 foi justificada pela suposta posse de armas de destruição em massa pelo governo de Saddan Hussein, que nunca foram encontradas.

De modo geral, a administração Bush alegava que as incursões militares tinham a intenção de democratizar os países, que viviam sob ditaduras, e combater os grupos terroristas. Especialistas, por outro lado, apontam interesses econômicos em reservas de petróleo e derivados como a principal razão por trás da "guerra contra o terror".

Mas por que essas guerras duram tanto tempo e por que é tão difícil encontrar uma saída para os conflitos?

Taleban
Tanto o Afeganistão quanto o Iraque são países divididos por grupos étnicos e religiosos que viveram séculos sob ocupação estrangeira e nunca conheceram a democracia ocidental ou uma paz duradoura. São também terras ricas em minérios e que ocupam posições estratégicas na geopolítica do Oriente Médio, o que desperta a cobiça de grandes potências mundiais.

Localizado na Ásia central, o Afeganistão faz fronteira com Paquistão, Irã e China. O país possui 32,7 milhões de habitantes, 70% vivendo em condição de pobreza. O que une os diferentes grupos étnicos é a religião mulçumana (80% sunita e o restante xiita).

A maior renda vem do ópio (matéria-prima da heroína), pois o Afeganistão concentra 93% da produção mundial dessa substância, que corresponde a 30% do Produto Interno Bruto (PIB), além de ser a principal fonte de financiamento do Taleban.

Durante a Guerra Fria, o país permaneceu vinte anos sob ocupação da ex-URSS (1979-1989). Neste período, os mujahedin (combatentes islâmicos) receberam apoio da CIA, o serviço secreto americano, para lutar contra as tropas russas.

Quando, finalmente, o Exército Vermelho deixou Cabul, a capital, estourou uma guerra civil entre facções rivais. As lutas só terminaram após o Taleban, grupo nacionalista mulçumano de etnia pashtu, tomar o poder em 1996. Hoje, estima-se que os extremistas ainda controlem até 70% das terras afegãs.

Saddam
Já o Iraque possui uma das culturas mais antigas do mundo, que remonta há 10 mil anos. O território abrigou as primeiras civilizações humanas, que criaram o alfabeto cuneiforme e o primeiro código de leis, a Lei do Talião ("olho por olho, dente por dente").

Diferente do Afeganistão, a maior parte dos 31,2 milhões de habitantes são mulçumanos xiitas (60%), embora os sunitas tenham governado o país ao longo da história.

O Iraque ficou quase quatro séculos sob domínio do Império Otomano (1533-1918), até que a região foi dividida ao final da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e o país se tornou colônia do Reino Unido. O período monárquico durou de 1921 a 1958, quando a família real foi assassinada, depois de um golpe de Estado.

Em julho de 1968, um novo golpe, conduzido pelo Partido Socialista Árabe Baath, levou ao poder o líder sunita Saddam Hussein, primeiro como vice-presidente e, a partir de 1979, como presidente. Os 24 anos de regime de Saddam foram marcados pelo culto à personalidade, perseguição a etnias (curdos e xiitas) e massacres, incluindo três guerras no Golfo Pérsico.

A primeira Guerra do Golfo foi travada contra o Irã (1980 a 1988) depois que a Revolução Islâmica, liderada pelo aiatolá Ruhollah Khoemini (1900-1989), depôs a monarquia iraniana, alinhada ao Ocidente. O ditador iraquiano tinha então apoio financeiro de Washington.

Endividado ao final dos conflitos, Saddan invadiu o Kuwait em 1990, país vizinho credor e rico em petróleo. Uma coalizão militar internacional, tendo à frente os Estados Unidos, expulsou o exército iraquiano do Kuwait. Seguiu-se um período de sanções econômicas até a terceira guerra no Golfo, em 2003, contra os americanos.

Retirada
Para os Estados Unidos, o maior triunfo das atuais guerras foi a captura de Saddan Hussein, em dezembro de 2003. O ditador estava escondido em um buraco após ter escapado do cerco à capital. Ele foi julgado, condenado à morte e enforcado em 31 de dezembro de 2006.

No entanto, a justificativa fraudulenta para a invasão do Iraque e o escândalo de abusos contra detentos na prisão iraquiana de Abu Ghraib mancharam a imagem dos EUA perante o mundo.

Com o Iraque ocupado e alvo de sucessivos ataques terroristas, realizaram-se em 2005 as primeiras eleições presidenciais e parlamentares. Neste ano, Obama anunciou a desocupação total até o final de 2011 e, em junho, o exército americano deixou as ruas, que passaram a ser patrulhadas por forças iraquianas.

Para Cabul, prioridade atual do governo americano, o plano também é garantir que o governo local tenha condições de manter o controle após a retirada das tropas. O problema, tanto no Iraque quanto no Afeganistão, é que os americanos não são vistos como "salvadores da pátria" por libertarem os países das ditaduras de Saddan e do Taleban, mas como invasores.

Quase uma década depois, os Estados Unidos não conseguiram pacificar o Iraque nem capturar Osama Bin Laden. Nem é certo que os países invadidos não mergulhem novamente em guerras civis e étnicas após os americanos deixarem o front, nem que a Al Qaeda, um grupo que age internacionalmente, não volte a atacar. Em todos os cenários mais realistas, serão guerras perdidas para o Tio Sam.

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