segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Por que a água sanitária desinfeta?


O tão utilizado desinfetante pode matar bactérias por desenovelamento de suas proteínas.

Ela é a rainha da limpeza, e uma simples gota é suficiente para tornar um litro de água limpa e pronta para beber. A água sanitária é utilizada há mais de 200 anos, mas o segredo por trás de seu incrível poder para matar bactérias ainda não foi totalmente revelado.


Pesquisadores descobriram, recentemente, que a água sanitária mata bactérias atacando proteínas, destruindo rapidamente sua delicada forma. Uma exceção é a bactéria Escherichia coli, usada como modelo nos estudos. Esta bactéria possui um mecanismo defesa recuperando as proteínas antes que esses danos se tornem permanentes. Curiosamente, este mecanismo é ativado pelo desinfetante.

A água sanitária é uma solução de hipoclorito de sódio, cuja ação sanificante é controlada pelo ácido hipocloroso, formado rapidamente na dissociação do hipoclorito de sódio em água (Figura 2). Este ácido é extremamente reativo e, por sua vez, ataca os aminoácidos que constituem as proteínas alterando sua estrutura tridimensional.


A estrutura de uma proteína é crucial para a sua função, e quando proteínas importantes perdem sua forma as células das quais fazem parte podem não sobreviver por muito tempo. Muitos estudos in vitro têm revelado como a água sanitária reage com proteínas e membranas de organismos vivos.

Como ocorre o desenovelamento das proteínas?

A bioquímica Ursula Jakob da Universidade de Michigan e seu grupo de pesquisas se interessaram pela ação da água sanitária enquanto investigavam a proteína chamada Hsp33, que atua como uma “chaperona molecular”, ajudando outras proteínas a atingir e manter sua forma própria.


O grupo de pesquisadores de Michigan descobriu que a E. coli, geneticamente manipulada para não expressar a Hsp33, se tornou muito mais sensível ao desinfetante. Quando os pesquisadores se aprofundaram nos efeitos causados em células vivas, eles observaram que o tratamento destas células com a água sanitária fez com que muitas proteínas se agrupassem. Esses resultados foram publicados na revista científica Cell em 14 de novembro de 2008.

Uma possibilidade para explicar o fato é a de que as proteínas danificadas começam a se desenovelar, expondo “aminoácidos-cola” que antes se encontravam em seu interior (aminoácidos que fazem interações intra-moleculares, responsáveis pela forma tridimensional e enovelada das proteínas). Quando estes aminoácidos são expostos, interagem com aminoácidos similares de outras proteínas danificadas, aglutinando-se de forma irreversível.

Jakob compara este processo de algutinação ao do cozimento de um ovo: o aquecimento faz com que as proteínas se desenovelem e se agreguem, e a clara do ovo gradualmente se torna sólida e branca (Figura 4). Da mesma forma que não se pode “descozinhar” um ovo, as células não conseguem desfazer esses agregados. Para driblar esse problema, as células usam a Hsp33 para prevenir a agregação re-enovelando as proteínas antes de ocorrer o processo de aglutinação.

Figura 4: Cozinhando um ovo
No processo de cozinhar um ovo, o calor faz com que as proteínas se desnaturem, desenovelando-se e agregando-se; dessa forma o ovo se torna sólido e a clara muda a sua coloração para branco. [fonte da figura]



“Um botão de ligar”

De fato, a Hsp33 se torna mais ativa quando as células são expostas ao ácido hipocloroso. Quando a água sanitária reage com alguns aminoácidos de proteínas, a Hsp33 se desenovela parcialmente e assume uma estrutura ativa. Isto é atípico: o desenovelamento geralmente quebra a funcionalidade das proteínas, mas para a Hsp33 o processo atua como um “botão” para ativá-la. Outra chaperona chamada HdeA também é ativada parcialmente sob condições muito ácidas. Jakob espera que os pesquisadores encontrem mais exemplos dessa resposta ao estresse celular no futuro.


Por que a E. coli desenvolveria um “sistema de alarme” contra um desinfetante inventado por seres humanos? A resposta a essa questão pode estar relacionada ao fato do ácido hipocloroso ser encontrado na natureza. Os neutrófilos, por exemplo, que são células do sistema imunológico, produzem ácido hipocloroso para matar as bactérias que foram fagocitadas. Entretanto, isso não se aplica ao comportamento da E. coli, segundo o microbiologista James Imlay da Universidade de Illinois. “Esta bactéria não vive em um meio onde haja neutrófilos”, ele diz. Jakob relata um estudo que sugere que o ácido pode limitar o crescimento bacteriano nas entranhas de insetos, e diz que pode haver outras fontes de ácido hipocloroso que ainda não foram identificadas.


Em outras palavras, o estudo não descarta a possibilidade de a água sanitária possuir outros mecanismos de ação. É sabido, por enquanto, que o desinfetante pode reagir com moléculas que constituem as membranas, podendo fazer com que estas se rompam, matando as células. O desenovelamento de proteínas e sua agregação parecem ser a parte mais importante desse mecanismo.


“Todos sabem que a água sanitária desinfeta, e é só”, diz Jakob. “Poucos se preocuparam em saber sobre o mecanismo pelo qual isto ocorre.”

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