quinta-feira, 25 de março de 2010

O efeito colateral do Enem

Fábio Campos
24 Mar 2010 - 00h37min

Em sequência, o debate sobre o caso UFC-Enem. Hoje, um professor se posiciona contra a política adotada pela UFC de disponibilizar 100% das vagas para os oriundos do Sistema de Seleção Unificada, o SiSU. Amanhã, um estudante levanta um tema muito importante: o sistema desobriga o vestibulando a se debruçar sobre os conteúdos que dizem respeito especificamente ao Ceará. Atentem para os argumentos do professor do Departamento de Computação e dirigente da Associação dos Docentes da UFC, Marcelino Pequeno: ``O Enem sinaliza para uma política benfazeja do MEC de modificar o ensino médio, fazendo com que ele perca seu caráter cumulativo de informações (a decoreba) e passe a privilegiar o raciocínio lógico e a interpretação textual. O impacto principalmente sobre a -industria dos cursinhos- é bem vinda. Entretanto, o Enem, por ser um exame nacional, possibilitou que o MEC divisasse o SiSU, mas este é um efeito colateral que não teve tempo de ser devidamente maturado e discutido com as universidades e a sociedade brasileira. A agenda eleitoral do ministro Fernando Haddad como pré-candidato ao governo de São Paulo precipitou o lançamento do sistema sem o devido planejamento``.

E A POLÍTICA DE INTERIORIZAÇÃO?
Continua Marcelino Pequeno: ``O pior é que o SiSU é inconsistente com as políticas que o próprio MEC vinha praticando. O Governo Lula praticou uma política de interiorização das universidades. Mais de uma dezena de novas universidades fora das capitais foram inauguradas. O Ceará é beneficiário desta política com a criação dos campi de Sobral, Cariri e Quixadá. O intento é claro: levar o ensino superior para a população interiorana do país, promovendo o desenvolvimento regional. O SiSU no Ceará será mais sentido nestes campi do interior com uma redução drástica da população destes municípios conseguindo vaga na UFC. Outra política do governo é a inclusão social com as cotas racial e social para o acesso às universidades. Esta política também fica radicalmente prejudicada com a adoção da seleção unificada``.

RISCO DE AUMENTAR A DISPARIDADE
Mais: ``O Brasil tem duas grandes desigualdades: a geográfica (ou regional), separando as regiões pobres das regiões ricas; e a social, discriminatória pelo poder econômico. Ambas são potencializadas pelo SiSU. A regional já está evidenciada pelos números que a Coluna apresentou. São Paulo -exportou- 2.531 alunos e -importou- 169. O Piaui -exportou- 85 e -importou- 612. Se for feita uma pesquisa apenas nos cursos de maior concorrência: Medicina, Direito e Engenharias se verificará que estes números são muito maiores do que os 25% em média da migração provocada pelo SiSU (8.353 em 33.039 estudantes matriculados). Antes do SiSu este número era de apenas 1%. Os números da desigualdade social o MEC ainda não divulgou. Quantos dos 42.000 alunos matriculados pelo SiSU são oriundos da escola pública? Nossa previsão é que será uma fração que incrementará a já enorme disparidade de acesso entre alunos da escola pública e privada``.

HOBIN HOOD ÀS AVESSAS
``Ou seja, os dois tipos de privilegiados, o regional e o social, veem suas chances de acesso à universidade serem multiplicadas, em detrimento das regiões e populações empobrecidas. É um Robin Hood às avessas, um verdadeiro atentado social. Mais paulistas ricos dentro das universidades e menos nordestinos pobres!! Este argumento por si só já devia invalidar qualquer tentativa de se levar a frente esta -seleção unificada-. Mas há outros menores. Como por exemplo, as universidades estarem despreparadas para atender aos estudantes -estrangeiros-, o custo de se viver em outro estado é caro, quem arcará com a despesa? A UFC recebeu um incremento de R$ 6 milhões em sua verba de assistência estudantil, e hoje atende a 256 alunos em suas residências, ou seja, apenas 1% de seu total de alunos que passa de 25 mil``.

MARCHA PARA O CADAFALSO
``Em vez de -mobilidade- prefiro chamar de -migração-. Mobilidade é quando um aluno de uma universidade vai por um período (em geral seis meses ou um ano) em outra universidade e retorna. Este tipo de intercâmbio acadêmico tem um salutar efeito multiplicador. Acontece muitas vezes entre instituições do próprio país e também com o exterior. A UFC tem vários programas assim. O que mais me dói é ver a UFC marchar célere para o cadafalso, colocando 100% de suas vagas nesta -arapuca- como caracterizou o Elio Gaspari. A reação dentro da universidade é mínima, espero que a Coluna ajude a vir à tona este tema tão preocupante``.

Um comentário:

ALUISIO CAVALCANTE JR disse...

Daniel.

Toda mudança exige riscos.
Mas pior que os riscos
é a falta de coragem de mudar.

Que os sonhos sempre existam em ti.