segunda-feira, 31 de março de 2008

Forense Balística


Introdução

Todos os dias, ao ligar a televisão e sintonizar no noticiário, assiste-se algo mais ou menos assim: “João e José tentaram assaltar um banco e, na fuga, ambos atiraram com armas de fogo contra os policiais. Um dos tiros acabou atingindo o policial Antônio, que não resistiu e acabou falecendo logo em seguida. Os assaltantes foram capturados e levados à delegacia, mas nenhum deles assumiu a autoria do disparo que ocasionou a morte do policial”.Como saber qual dos dois suspeitos realmente é o culpado pela morte de Antônio, já que ambos estavam armados? Talvez a ciência forense possa nos auxiliar em uma resposta.

Em filmes e séries de televisão sobre investigação criminal, a situação de traba-lho é ideal: há sempre uma solução para os casos; os equipamentos são os melhores e sempre estão disponíveis; há poucos casos, dentre outros idealismos que a ficção propi-cia. Na prática, as coisas não funcionam tão bem assim. Só para citar um aspecto, se-gundo o levantamento realizado pela Associação Brasileira de Criminalística, em abril de 2003, o estado que possui mais carência de peritos é o Ceará. Na época da pesquisa, havia 23 peritos, sendo que o número mínimo recomendando para que haja uma rela-ção de 1/5.000 perito/habilitantes seria de 1.486. O melhor estado em números de pe-ritos é o Distrito Federal, que possui 201, mas o recomendado seria 410.

Este artigo tratará de algumas técnicas balísticas utilizadas pelos peritos, as quais ajudam nas investigações de crimes cometidos com arma de fogo. Apesar de nem todas serem realmente utilizadas, pelo menos aqui no Brasil ou em alguns estados mais deficitários, é sempre bom saber que elas existem e que fazem parte, a cada dia de for-ma mais intensa, da rotina dos cientistas forenses de todo o mundo. Boa leitura!

A arma de fogo

O termo ‘arma’ refere-se a todo objeto que possui a característica de aumentar a capacidade de ataque ou defesa. Determinados objetos são produzidos com este fim, sendo denominados ‘armas próprias’. Outros, como foice, machado, por exemplo, po-dem ser usados como arma. Estas são chamas de ‘armas impróprias’.

As ‘armas próprias’ classificam-se em manuais e de arremesso. As manuais fun-cionam como uma espécie de prolongamento do braço, como a espada, punhal e a mai-oria das ‘armas brancas’ (constituídas por lâmina metálica). Já as de arremesso são as que produzem efeitos à distância de quem as utilizam. É aqui que se classifica a arma de fogo. São de interesse da balística forense as armas perfuro-contundentes, ou seja, as que causam, ao mesmo tempo, perfuração e ruptura de tecido, com ou sem lacera-ção e esmagamento dos mesmos.

Uma pesquisa realizada na década de 90 concluiu que, do total de mortes do período, no Brasil, cerca de 33 % foram em decorrência de homicídios. As armas de fogo contribuíram em 50 % destes casos já em 1991, e em 70 % no ano 2000. Este crescimento, conforme indicaram os dados da pesquisa, ocorreu em ambos os grupos de sexo e em todas as capitais do país. Talvez seja por isto que a balística assume grande importância dentro da ciência forense. As técnicas de caracterização de armas e projéteis evoluem junto com a ciência. A seguir iremos ver algumas técnicas que estão sendo utilizadas pelos peritos forenses. Antes disso, vamos saber mais sobre o fenômeno do tiro.

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Mecanismo de disparo

A arma de fogo é, em essência, uma máquina térmica. Sua utilização independe da força física (excetuando a força relacionada com o pressionamento do gatilho) e, co-mo não poderia deixar de ser, baseia-se nos princípios da termodinâmica. A arma é constituída pelo aparelho arremessador ou arma propriamente dita, a carga de projeção (pólvora1) e o projétil2, sendo que estes dois últimos integram, na maioria dos casos, o cartucho.

Na Figura 1 temos um esquema que mostra as principais partes que constituem um cartucho. Aqui não se fará uma análise dos vários tipos, mas de um esquema pa-drão, no qual as partes estão presentes na maioria dos cartuchos.

Figura 1 – Esquema geral de composição interna de um cartucho. [adaptado da Revista Perícia Fede-ral, Set/Out 2003]

O cartucho observado de fora parece grande. Contudo, uma pequena parte, o projétil, é que irá ser expelido pela arma após o disparo. A força com que este é projeta-do para fora do cano depende da combustão da pólvora. Esta gera gases, os quais, com a elevação da temperatura interna (podendo chegar aos 2500 °C) aumentam o volume e a pressão no interior da arma, fazendo com que o projétil seja ‘empurrado’, violenta-mente.

Antes que ocorra a combustão da pólvora, é necessário uma ‘chama iniciadora’, a qual é proveniente da espoleta. Ela contém uma pequena quantidade de explosivo3

1 A pólvora mais antiga, mas que ainda hoje é utilizada em alguns tipos de cartucho, é a Pólvora Negra. Ela é constituída por 75 % de salitre (nitrato de potássio), 13 % de carvão vegetal e 12 % de enxofre. O salitre atua como comburente, fornecendo oxigênio, já o carvão e o enxofre como combustível. A partir de 1845, surgiram as denominadas Pólvoras Químicas, tendo como ingrediente ativo a nitrocelulose. A Companhia Brasileira de Cartuchos – CBC –, em 1987, começou a produzir em escala industrial a sua própria pólvora. Para cartuchos calibre 38 SPL, por exemplo, é usada a pólvora CBC 216, a qual é constituída por 97 % de nitrocelulose, 1,5 % de difenilamina, 1,0 % de sulfato de potássio e 0,2 % de grafite.

2 Até 1986 a CBC produzia os projéteis com chumbo puro. A partir desta data, todos os projeteis CBC foram produzidos com uma liga de chumbo, composta em grande parte por chumbo e um elemento endurecedor, o antimônio, na porcentagem de 1 a 2,5 %. A expressão popular ‘levar chumbo’, portanto, deve ser revista.

3 A CBC usa, atualmente, em seus cartuchos, misturas iniciadoras à base de estifinato de chumbo [PbO2H(NO2)3], nitrato de bário, trissulfeto de antimônio, tetrazeno e alumínio. Quando o percutor deforma a cápsula de espoletamento, a mistura iniciadora nela contida é comprimida contra a bigorna, quebrando os cristais de estifinato de chumbo e tetrazeno. Inicia-se assim uma chama cujo combustível é o nitrato de bário e o oxidante é o trissulfeto de antimônio. A presença do alumínio gera uma maior vivacidade na chama. Este pode ou não estar presente na composição da mistura iniciadora, dependendo do tipo de cartucho. A partir de 1998 a CBC lançou os cartuchos denominados de clean range, cuja mistura iniciadora da espoleta não possui chumbo, bário e antinônio. Esta mistura é composta por diazol, nitrato de estrôncio, pólvora e tetrazeno.

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sensível a choque mecânico. O estojo, geralmente constituído por latão 70:30 (70% de cobre e 30 % de zinco), trata-se da cápsula que contém o projétil na ponta, a pólvora dentro e a espoleta na base.

Também de forma esquemática, na Figura 2 temos os estágios que existem em um disparo. Lembro novamente ao leitor que não se deseja realizar neste artigo um es-tudo detalhado do processo, mas uma análise dos aspectos principais. Por isto, partes da arma bem como alguns mecanismos secundários não serão mencionados.

Figura 2 – Fenômeno do tiro. Em (a) temos a arma em seu estágio pré-tiro. Observe o distanciamento entre o cão e o percutor. Em (b) temos o primeiro estágio do disparo, onde o cão movimenta-se, geralmente via ação mecânica, empurrando o percutor contra a base do cartucho, ação que dá inicio à explosão da mistura inicia-dora, a qual promove a combustão da pólvora. Já em (c) temos a representação do aumento da pressão inter-na (representada pelas setas) que fazem com que o projétil seja expelido para fora da arma, através do cano. [adaptado da Revista Perícia Federal, Set/Out 2003]

Ao ser acionado o mecanismo de disparo, geralmente através de força mecânica pelo pressionamento do gatilho, a ponta do percutor deforma a espoleta, comprimindo a mistura iniciadora. Esta, ao sofrer o impacto, produz chamas de alto poder calorífico que passam por orifícios existentes no fundo do alojamento da espoleta e dão início à combustão dos grãos de pólvora.

A combustão da pólvora gera, em um curtíssimo espaço de tempo, um volume de gases considerável. A pressão destes impele o projétil através do cano da arma, que é a única saída possível. A expansão dos gases vai também atuar sobre a parte interna da arma, projetando-a para trás, fenômeno conhecido como o ‘soco da arma’.

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Confronto microbalístico

Conforme vimos anteriormente, ao observamos com mais detalhe o mecanismo de disparo de uma arma de fogo, o projétil é expelido pelo cano e sai na direção do alvo. Este projétil, por estar em contato direto com a superfície interna do cano, passa a in-corporar marcas e micro-estriamentos em sua superfície (veja Figura 3).

Figura 3 – À esquerda da linha preta, a bala em questão e à direita da mesma linha o padrão de marcas ob-servado nos testes com a arma de fogo. As setas indicam as marcas que coincidem, o que confirma que os projéteis foram expelidos pela mesma arma. [fonte: Revista Perícia Federal, Set/Out 2003]

Mesmo que a arma seja do tipo ‘lisa’, sem raias, não importa o quanto liso seja o cano, sempre haverá minúsculas imperfeições, diferenças de densidade e dureza do aço - dentre outros aspectos - que darão um caráter único às marcas existentes nos projé-teis expelidos por uma arma de fogo.

Lembra da história do policial Antônio, na introdução deste artigo? Pois os testes que veremos a seguir podem ser utilizados para desvendarmos o caso. Como ligar a ar-ma de fogo ao crime? Uma alternativa é uma técnica utilizada pelos peritos chamada de Confronto Microbalístico. Obtém-se, no caso, o projétil alojado internamente na vítima. Após, faz-se testes com a(s) arma(s) de fogo suspeita(s), disparando-a(s) em tanques de água, por exemplo, a fim de obter o projétil sem deformações, a não ser as inerentes ao contato com as raias ou superfície interna do cano. Após, com a ajuda de um microscó-pio óptico, observa-se as micro-estrias dos dois projéteis (o retirado da vítima e o produ-zido no tanque de água) e, através desta observação, pode-se ligar ou não a arma ao crime.

O confronto microbalístico não se restringe apenas aos projéteis. Se houver cáp-sulas de cartuchos deflagradas na cena do crime, é possível analisar as marcas do per-cutor e as ranhuras produzidas na culatra (veja a Figura 4).

Figura 4 – Cápsulas de munição percutidas pela mesma arma. Em destaque as marcas promovidas pelo percutor e pela culatra [fonte: Revista Perícia Federal, Set/Out 2003]

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O Confronto Microbalístico é, portanto, a comparação das marcas e micro-estriamentos deixados pelos canos, percutores e culatras nos projéteis e nas cápsulas visando identificar a arma de fogo que os tenha deflagrado. A análise pode ser genérica ou específica. A genérica permite que se tenha uma identificação do fabricante da arma, modelo, tipo de munição, etc. Já uma análise específica pode constatar se um projétil foi ou não expelido pela arma em questão. Seria como uma análise de impressão digital, onde cada arma produz um conjunto de micro-estrias único.

Resíduos de arma de fogo

No momento do tiro são expelidos, além do projétil, diversos resíduos sólidos (provenientes do projétil, da detonação da mistura iniciadora e da pólvora) e produtos gasosos (monóxido e dióxido de carbono, vapor d’água, óxidos de nitrogênio e outros), conforme ilustra a Figura 5.

Figura 5 - A nuvem de fumaça criada durante a descarga de uma arma de fogo deixa resíduos nos objetos próximos. [fonte: JOHLL, 2006]

Também integram a parte sólida dos resíduos partículas constituídas pelos ele-mentos antimônio (Sb), bário (Ba) e chumbo (Pb), provenientes de explosivos como sais de chumbo, bário e antimônio, além da composição da liga de projéteis e cartuchos.

Parte desses resíduos sólidos permanecem dentro do cano, ao redor do tambor e da câmara de percussão da própria arma. Porém, o restante é projetado para fora, atin-gindo mãos, braços, cabelos e roupas do atirador, além de se espalharem pela cena do crime.

Dependendo do tipo de resíduo, a constatação pode ser física, com o auxílio de uma lupa. Se não for possível realizá-la, pode-se usar o exame químico. Os nitritos, que também são produzidos em disparos, podem ser detectados com o reativo de Griess (á-cido parasulfanílico). Contudo, vale lembrar que os nitritos sofrem oxidação pelo oxigê-nio do ar, passando gradualmente a nitratos ou volatilizando-se como ácido nitroso. Por isto, o exame deve ser feito o mais breve possível após o suposto disparo. Além disto, o reativo de Griess é usado para identificar a presença de nitritos de qualquer origem, não sendo, portanto, reativo específico para nitritos oriundos de disparo por arma de fogo.

Um resultado negativo desse teste não significa que a arma suspeita não tenha produzido tiro, visto a transformação relativamente rápida de nitritos em nitratos. Já uma constatação positiva não garante, necessariamente, que tais nitritos sejam oriun-dos de um disparo. Por isto, a verificação com reativo de Griess não está sendo mais utilizado pelos peritos forenses. Eles alegam pouca confiabilidade como prova pericial, em decorrência de diversos fatores que interferem em seu resultado. Um exame que ge-ra mais dúvidas que as já inerentes à investigação, certamente, dificultaria ainda mais os trabalhos dos peritos.

Outro teste químico é o que permite a detecção de chumbo pelo rodizonato de sódio como reagente colorimétrico. O complexo azul-violeta, resultante da reação do ro-dizonato de sódio com o chumbo, pode ser estabilizado pela adição de uma solução tampão. Contudo, o desvanecimento comum de complexos colorimétricos ocorrerá como conseqüência de um contato prolongado com o meio ácido, proporcionado pelos 5% de ácido clorídrico necessários à própria reação colorimétrica. Isto implicará na decompo-sição do complexo azul-violeta em compostos incolores, podendo-se perder resultados

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positivos. Testes colorimétricos muitas vezes não possuem sensibilidade para detectar antimônio e bário de forma confiável, principalmente devido à pequena quantidade de resíduos presentes (na ordem de mg) nas mãos de um atirador, bem como às suas di-mensões (0,1 a 100 μm), o que pode limitar a detecção e identificação das partículas.

Um método confiável de análise de partículas residuais de tiros, segundo Sara Lenharo, perita criminal federal, deve ser capaz de determinar a presença de chumbo, bário e antimônio, além da análise morfológica da partícula. A presença de dois dos três elementos citados não pode ser associada, de forma categórica, aos resíduos de arma de fogo, mas apenas ser um indicativo de disparo, não uma prova cabal.

Para se ter uma idéia de como a vida e os hábitos do suspeito devem ser levados em consideração, o chumbo pode aparecer associado ao bromo em partículas proveni-entes de automóveis e ao antimônio nas placas de baterias e em algumas soldas. Partí-culas somente de chumbo podem estar vinculadas à profissão do suspeito, como mecâ-nico, pintor, laboratorista, soldador, etc. O bário é encontrado em produtos de maquia-gem, e em alguns tipos de papel, além de detergentes. O antimônio é usado em muitas fibras, como as de poliéster.

Basicamente, os resíduos de tiro são formados em condições específicas de tem-peratura e pressão durante o disparo, permitindo vaporização e rápida condensação de elementos oriundos principalmente da espoleta (Pb, Ba, Sb) em partículas com formato esférico e diâmetro variando entre 1-10 μm. Esta variação depende do tipo de arma em-pregada para efetuar o disparo (revólveres produzem mais partículas esféricas do que pistolas) e do calibre (quanto maior o calibre, maior o tamanho médio das partículas). A composição também pode variar, dependendo dos explosivos da espoleta.

A ciência progride no afã de promover respostas mais confiáveis. Neste sentido, técnicas como a Microscopia Eletrônica de Varredura acoplada a Espectroscopia por Dispersão de Energia vêem sendo utilizadas em todos os grandes laboratórios forenses do mundo na identificação de partículas oriundas de resíduos de tiro.

Microscopia eletrônica de varredura

Os detetives, ao investigarem se um determinado suspeito efetuou tiros com ar-ma de fogo ou não, geralmente levam vários pequenos cilindros de metal chamados de ‘stabs’ (veja Figura 6) que contém um adesivo, o qual é esfregado principalmente na pe-le do suspeito, em pontos específicos como a palma e dorso da mão. Resíduos de dispa-ros de arma de fogo (doravante GSR, do inglês gunshot residue), se presentes, irão ade-rir ao adesivo. O cilindro então é colocado no Microscópio Eletrônico de Varredura (SEM, do inglês Scanning Electron Microscope) e a superfície do adesivo é varrida por um feixe de elétrons.

Figura 6 – Kit GSR.

O SEM funciona basicamente como um microscópio óptico (MO). A diferença é que um MO depende dos fótons para formar uma imagem. Já o SEM depende dos elé-trons emitidos pela superfície dos possíveis resíduos que constituem amostra analisada. Apesar de muito empregado na ciência, o MO tem seu uso limitado pelo comprimento de onda da luz visível. Utilizando-se luz com o comprimento de onda de 550 nm, por e-xemplo, dificilmente será possível distinguir entre objetos que estejam afastados por 0,005 mm. A descoberta de que os elétrons têm também um comportamento ondulató-rio levou ao desenvolvimento do microscópio eletrônico (veja Figura 7), com um grau muito maior de resolução do que o óptico. Usando elétrons, por exemplo, com compri-

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mento de onda de 6,06.10-3 nm, os microscópios eletrônicos, dependendo do tipo, po-dem gerar imagens com resolução da ordem de 5 nm.

Figura 7 – Exemplo de um microscópio eletrônico de varredura [fonte: QuantaTM – FEI Company – www.fei.com]

O equipamento é constituído basicamente por uma coluna (canhão de elétrons, sistema de demagnificação), uma unidade de varredura, uma câmara de amostra, um sistema de detectores e um de visualização da imagem. O canhão de elétrons é usado para gerar um feixe de elétrons com energia e quantidade suficiente para ser captado pelos detectores. Este feixe eletrônico é então demagnificado por várias lentes eletro-magnéticas, cuja finalidade é produzir um feixe de pequeno diâmetro e focalizá-lo em uma região específica da superfície analisada.

A energia perdida pelos elétrons ao atravessar a amostra é liberada de diferentes formas, dependendo do tipo de interação entre o elétron primário (proveniente do equi-pamento) e os átomos da mesma. Cada um dos sinais gerados (elétrons secundários, re-troespalhados, fótons, raios-X, elétrons Auger, etc.) requer um detector específico para sua captação. Para análises forenses, os três principais sinais utilizados são os elétrons secundários, elétrons retroespalhados e os raios-X. A formação de raios-X a partir da incidência de elétrons na superfície do adesivo está ilustrada no esquema presente na Figura 8. Vale lembrar que se trata de uma representação simplificada do sistema atô-mico, mas que serve para melhor compreender o fenômeno.

Figura 8 - Princípio de formação de raios-X a partir da interação dos elétrons primários com os átomos da amostra. Optou-se pelo modelo planetário de átomo para a melhor compreensão do fenômeno [fonte:JOHLL, 2006].

Na Figura 8, em (a) temos a representação do elétron proveniente do canhão do microscópio incidindo sobre um átomo da amostra. Em (b) temos o fenômeno em que elétrons, com energia suficiente, arrancam outros existentes nas camadas mais inter-nas da eletrosfera dos átomos do resíduo. Os elétrons mais afastados do núcleo, então, passam a ocupar a lacuna gerada pelo elétron do microscópio, a fim de recuperar a es-

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tabilidade atômica. Esta transição emite radiação com comprimento de onda na faixa dos raios-X.

Da mesma forma que os espectros de emissão são como uma impressão digital de um elemento, a radiação de raios-X emitida também é característica, pois cada tran-sição eletrônica nos elementos é diferente. Assim, através da observação do espectro, é possível fazer uma análise tanto qualitativamente como quantitativamente. Para isto, a técnica de Espectroscopia de Dispersão de Energia (EDS, do inglês Energy Dispersive Spectroscopy) é acoplada ao SEM. Um espectro de EDS de uma amostra de GSR pode ser visto na Figura 9.

Figura 9 – Espectro de EDS de uma partícula encontrada em uma amostra de um barril de uma pistola Pietro Beretta cal. 7.65 mm, depois de atirar com um cartucho Giulio Fiocchi Lecco [fonte: ROMOLO, 1999]

Os elétrons secundários fornecem imagem de topografia da superfície das partí-culas existentes e são os responsáveis pela obtenção das imagens de alta resolução (ve-ja Figura 10). Já os retroespalhados permitem a análise de variação de composição ou contraste de número atômico.

Figura 10 – Imagem de elétrons secundários de um resíduo de arma de fogo [fonte: Turk J. Chem, 1999].

Uma das lacunas da balística forense, a qual infelizmente não é mostrada na fic-ção, é a determinação do tempo em que o disparo foi realizado. Segundo Ludwig Niewöhner, chefe da Seção de Resíduos de Tiro da BKA (Bundeskriminalamt) – a polícia Federal Alemã – “... nós podemos encontrar uma partícula de resíduo de disparo de ar-ma de fogo micrométrica, mas nós não podemos dizer se ela estava lá há dois anos a-trás ou há uma hora atrás.” Não obstante, Ludwig alerta para alguns estudos recentes que buscam realizar estimativas do tempo que o disparo foi efetuado.

Além disso, os problemas que podem afetar a análise, como metodologia de cole-ta dos resíduos e tamanho da área a ser analisada, estão sendo gradativamente resolvi-dos ou minimizados, utilizando kits de coleta específicos para SEM e programas de computador que permitem a busca e análise automatizada de partículas, segundo pa-râmetros definidos pelo operador.

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Para saber mais

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Agradecimento

Agradeço ao químico e amigo Leandro Maranghetti Lourenço pelas referências bibliográficas conseguidas junto às instituições com acesso permitido e minha namora-da, Lílian Morás, pelas revisões textuais.

Sobre o autor

Emiliano Chemello é licenciado em Química pela Universidade de Caxias do Sul e professor do Ensino Médio na região da Serra Gaúcha.

website: http://www.quimica.net/emilianowebsite: emiliano

e-mail: chemelloe@yahoo.com.br

MSN: chemelloe@hotmail.com

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